terça-feira, 10 de novembro de 2009

Entrevista com o autor André Neves


André Neves e eu no Quiosque da Biblioteca, na Feira do Livro do Colégio La Salle Carmo


Nascido em Recife e radicado em Porto Alegre, André Neves se destaca não somente pelas belas poesias que compõem, mas também pelas ilustrações poéticas que despertam o imaginário de crianças e adultos. Suas imagens são peculiares e as técnicas aplicadas são as mais variadas criando assim o perfil desse fabuloso artista. Não foi à toa que a feira do livro do Colégio La Salle Carmo teve o prazer de trazer e compartilhar momentos de integração com os alunos, além de confabular as diversas imagens estilizadas por ele.
Aproveitando o momento, tive o prazer de trocar poucas e intensas figurinhas sobre sua vida profissional. Confira abaixo a entrevista:

Clarissa - Numa entrevista você disse que reencontrou a literatura quando estagiou no Espaço Pasárgada. Como você foi despertado para escrever a literatura infanto-juvenil?

André Neves - Sempre gostei muito de ler, mas foi no último período da faculdade de Relações Públicas que comecei a ter um contato maior com a literatura, principalmente com a poesia. Todos que frequentavam o Espaço eram poetas ou tinham algum vínculo com a poesia. Eu cuidava dessa parte de lançamento de obras de literatura infantil e infanto-juvenil e trocava muitas informações com os autores. Como lia bastante e gostava de desenhar, através de um desses contatos, que acabei ilustrando um livro que foi lançado pela Edições Bagaço, que trata da regionalidade do sertão pernambucano. E foi assim que me lancei ao mundo da literatura infanto-juvenil desenhada.

Clarissa - As ideias surgem para você a partir de um desenho ou a partir do texto que você escreveu?

André Neves - A ideia vem a partir do desenho e aos poucos vou construindo a história de acordo com os traços ilustrados. O resultado é finalizado após perceber que aquela imagem e o texto estão ligados direta ou indiretamente. Às vezes, o desenho antecipa os fatos como pode complementar o que está dito entrelinhas. Posso ler somente o texto, mas quando eu leio a ilustração percebo que há um outro tipo de leitura que compõem uma versão complementar da história. Os ilustradores são leitores que sempre buscam um melhor resultado. E hoje, o parque gráfico é um grande aliado dos ilustradores permitindo arriscar novas técnicas tornando o livro infantil um grande atrativo para os diversos públicos que leem este tipo de literatura.

Clarissa - Qual a sua relação com o personagem nesse processo de criação? Como você consegue dar vida a ele? Em cada personagem existe um reflexo do seu interior? Ou somente nos textos há esse reflexo?

André Neves - Em cada personagem existe um reflexo de forma ficcional e da fantasia em que me relaciono com eles. No fundo, em cada um deles existe uma passagem ou alguma lembrança de algum fato marcante da minha vida, em especial, da minha infância.

Clarissa - O livro "Menino chuva na rua do sol" foi inspirado na sua infância. Que significado a chuva tem na sua vida?

André Neves - Recife é uma cidade muito quente e que dificilmente chove. Durante meses a chuva demorava a cair na cidade e quando era criança sentia muita falta da chuva. E quando não temos algo que gostamos sentimos mais vontade de sentir os pingos de água baterem na pele. A chuva tem um significado muito forte na minha vida por achar que somente ela pode nos limpar.

Clarissa - Você acha que a poesia é capaz de mudar a vida de uma pessoa, assim como mudou a de Seu Ananias, em "A caligrafia de D. Sofia"?

André Neves - A poesia é capaz de mudar porque toca a alma e o imaginário. Nos traz liberdade, nos emociona, nos faz refletir... nos transforma. Eu gosto muito desse livro, pois a maior inspiração que tive foi da Badida, uma professora de pintura, que amava poesias. Ela respirava, transpirava poesias e por toda a parede da casa dela havia poesias dos diversos nomes da literatura. E o interessante é que nessa obra, todas as poesias que ali fazem parte da casa de D. Sofia foram cedidas por amigos-poetas que fizeram e fazem parte da minha vida.

Infelizmente, ainda ficaram algumas questões, mas o tempo era muito curto, mas quem sabe numa próxima oportunidade eu as faço. Para quem quiser alguma sugestão de leitura, vale a pena ler "A caligrafia de D. Sofia", "Menino chuva na rua do sol", "Maria Peçonha", etc.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Cidade de pobres corações

Minha cidade é feia, minha cidade é suja. Cheira a atraso. Têm dois partidos políticos que se revezam no poder há muito tempo. São eles que patrocinam o atraso da minha cidade. Muita gente vai embora, a deixa para trás, não quer mais saber. Os que ficam falam mal dela até o dia dos seus últimos suspiros. Cruzam os braços e deixam que ela fique mais feia. Na minha cidade têm cinema, depois de mais de uma década. Mas pouca gente dá valor pra cultura na minha cidade.
Na minha cidade não têm lugar pra ir. Então todo mundo vai pra avenida. E na avenida todo mundo se divide, fazendo apartheid. Sim, na minha cidade têm apartheid. Em parte da avenida fica todo mundo que é invisível. Em outra parte ficam aqueles que pensam que são alguma coisa numa cidade que não tem nada. Filhos de uma falsa burguesia. Na outra e mais estreita parte, perto do álcool, ficam os pitboys. Isso só deixa a minha cidade mais feia ainda. As cidades vizinhas também são feias e sujas e dominadas pelos mesmos partidos.
Quem não está na avenida contemplando a divisão de classes numa cidade pobre e feia, está andando de carro. Andando em círculos pelo centro. Talvez nesse ciclo eterno procurem pelos seus cérebros, nunca usados e esquecidos em alguma parte da minha cidade. Alguns talvez pensem em maneiras de ter relações sexuais com seus carros.
Na minha cidade até o futebol só dura seis meses por ano. Ciclo vicioso que não muda e só piora. Os invisíveis não têm emprego e não têm instrução. São a maioria na minha cidade. Os que sobram, não enxergam os invisíveis e também não enxergam a feiúra da minha cidade. Minha cidade é feia, minha cidade é suja. Coitada da minha cidade, ela é triste e não sabe.